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Spray nasal é o mais novo tratamento contra depressão grave

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06/03/2019 17:36
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O tratamento com a substância esketamina visa pacientes diagnosticados com depressão que não respondem ao tratamento tradicional (Foto: Bigstock)

A agência reguladora de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aprovou um novo antidepressivo — o primeiro em décadas e que atua de uma forma diferente no cérebro — para pessoas com depressão que não respondem a outros tratamentos.

Psiquiatras e grupos de pacientes vêem no medicamento, um spray nasal chamado de esketamina, como uma nova e poderosa ferramenta para o combate da depressão mais grave.

O spray age dentro de poucas horas, em vez de semanas ou meses, como tipicamente acontece entre os antidepressivos tradicionais. Além disso, oferece uma nova oportunidade de tratamento a cerca de 5 milhões de pessoas nos Estados Unidos, diagnosticadas com desordens depressivas que não conseguem obter resultados através dos tratamentos tradicionais.
“Isto é indiscutivelmente um grande avanço“, diz Jeffrey Lieberman, psiquiatra da Universidade de Columbia. Ainda assim, o especialista é cauteloso ao citar o medicamento, reforçando que ainda se sabe pouco sobre a substância, especialmente com relação ao uso em longo prazo. “Médicos deverão ser muito criteriosos”, explica.
A substância é um componente da cetamina (ou ketamina), aprovada há anos como um anestésico e usada também como uma droga alucinógena chamada de Special K. A esketamina deve ser administrada sob supervisão médica, em clínicas ou consultórios certificados, conforme as condições para a aprovação do FDA, e pode ser incluída no tratamento tradicional, junto com antidepressivos orais.
Ao contrário dos antidepressivos conhecidos, que visam os neurotransmissores serotonina, norepinefrina ou dopamina, a esketamina afeta os receptores através de uma substância química diferente no cérebro, chamada de glutamato.

Resultados comprovados

O extenso trabalho de Dennis Charney, reitor da Escola de Medicina Icahn no Sistema de Saúde do Monte Sinai de Nova York (EUA), prova que a cetamina (de onde deriva a esketamina) é um tratamento efetivo contra a depressão. Em 2000, ele e outros pesquisadores publicaram o primeiro estudo mostrando que o uso intravenoso da cetamina rapidamente alivia os sintomas da doença.
Depois de aplicar cetamina intravenosamente em sete pacientes, “para a nossa surpresa, eles disseram, poucas horas depois, que já se sentiam melhor”, diz Charney. “Foi um susto surpreendente”.
Essa também foi a experiência de Michael Wurst, de Secaucus, Nova Jersey. Com 37 anos, o homem diz não se lembrar de quando começaram os sinais da depressão, mas apenas buscou por terapia e medicamentos quando estava na faculdade. Depois que teve uma experiência negativa com os antidepressivos orais, Wurst parou o tratamento. Mais tarde, quando decidiu voltar, ele foi relutante em testar novos medicamentos e passou uma década experimentando várias substâncias e combinações, sem que nenhuma ajudasse.
Dois anos depois, ele participou de um estudo clínico com o uso da cetamina e, embora os três primeiros tratamentos não tenham surtido efeito, o quatro foi “como um milagre, como se alguém tivesse ligado a luz pelo interruptor”, disse Wurst. “Foi como se o peso na minha cabeça, a nuvem que estava ali por décadas, simplesmente desaparecesse. Mudou o curso da minha vida”.

De acordo com Charney, que também é co-inventor de uma patente sobre o uso da cetamina como um tratamento contra a depressão, licenciada pela Johnson &  Johnson, a substância oferece esperança, em letras maiúsculas, aos pacientes. A esketamina será encontrada sob o nome Spravato, e vendida pela mesma empresa.

Para 1/3 dos pacientes diagnosticados com depressão, os tratamentos tradicionais não funcionam (Foto: VisualHunt)
Para 1/3 dos pacientes diagnosticados com depressão, os tratamentos tradicionais não funcionam (Foto: VisualHunt)

 Spray nasal

A Johnson & Johnson escolheu o spray nasal como forma de administração da esketamina depois de concluir que uma aplicação intravenosa era impraticável e um comprimido não ajudaria a substância a chegar de forma suficiente ao cérebro, conforme David Hough, líder do time da esketamina da Janssen Research & Development, parte do grupo da Johnson & Johnson.
O comitê de consultoria do FDA votou em fevereiro deste ano recomendando a aprovação da substância, apesar do fato de que havia evidências mais concretas para a aprovação de outros antidepressivos, de acordo com um funcionário da agência não identificado. Um memorando avisa que os antidepressivos comuns são aprovados com base em dois estudos clínicos de curto-prazo positivos, mas apenas um estudo da esketamina foi apresentado. O segundo estudo clínico usado para a aprovação tratava-se de um estudo withdrawal (quando os pacientes recebem o medicamento novo no início e, depois, parte deles continuam com o novo remédio e parte recebem o placebo), mas o FDA considerou que não era errado aceitá-lo.

Alerta

Dos efeitos adversos relacionados à esketamina estão a sedação, dissociação e aumento na pressão arterial — sinais semelhantes ao uso da cetamina com o mesmo objetivo. Lee Hoffer, médico antropologista da Universidade Case Western Reserve, alerta que a cetamina era uma droga usada principalmente nas décadas de 1990 e 2000 e que pode ter efeitos poderosos, incluindo alucinações, visões em túnel e o efeito dissociativo, que faz com que as pessoas se sintam descoladas do ambiente em que estão. Hoffer fez parte do comitê de consultoria do FDA que recomendou a aprovação da substância, além de ser pesquisador dos estudos de adicção e o uso de drogas ilícitas.
Mas, apesar do fato de que a cetamina pode levar a efeitos eufóricos, Hoffer diz não se preocupar com o abuso da nova substância por conta das medidas de segurança que serão adotadas. Ao contrário de uma prescrição que pode ser levada para casa e pode ser direcionada a um uso recreativo, a esketamina será administrada apenas sob supervisão em um centro médico. “Há riscos associados à droga, mas eu acho que os benefícios provavelmente se sobrepõem aos riscos”, diz Hoffer.
A estimativa é que os pacientes recebam o tratamento duas vezes por semana, durante um mês, no início. Depois, sigam uma vez por semana e, então, algumas semanas por mês, junto com os antidepressivos orais. “Se o paciente fizer uso da substância durante mais de seis meses ou um ano, a decisão para isso será do paciente e do médico”, diz David Hough, líder do time da esketamina da Janssen Research & Development.
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