Saúde e Bem-Estar

Mariana Ceccon, especial para a Gazeta do Povo

Com apelo jovem, vape e narguilé saborizados são novos riscos associados ao tabaco

Mariana Ceccon, especial para a Gazeta do Povo
30/05/2019 21:30
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Entre 15% e 25% dos jovens norte-americanos usam o vaporizador. Foto: Bigstock

Churros, rosquinha, melão, cappuccino ou sorvete de caramelo. Não importa o sabor excêntrico escolhido, todos estão passando em forma de vapor ou fumaça pelas bocas e pulmões de jovens, mascarando o gosto do tabaco.
A discussão passou pelos cigarros mentolados e agora chega aos narguilés e vaporizadores – popularmente conhecidos como vapes: o gosto adocicado pode influenciar na iniciação de jovens adultos e adolescentes ao tabagismo?
Para a maior parte das entidades médicas e especialistas a resposta é sim. “É mais do mesmo. A mesma propaganda que era feita anos atrás, glamourizando o cigarro, associando ao sucesso e à conquista, agora é aplicada a esses cigarros eletrônicos e narguilés”, descreve o pneumologista Jonatas Reichert, que faz parte da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia.

“A diferença é que com as redes sociais o impacto dessa propaganda da indústria do tabaco se espalha muito mais rápido”, arremata.

O chamariz é forte. Coloridas, doces e populares, as essências usadas nos dois dispositivos são um atrativo a parte, com valores que podem variar de R$ 10 até R$ 160. As versões também podem conter ou não nicotina concentrada, além de aditivos e solventes.
No caso dos vapes, o líquido utilizado é chamado de juice.  Essa essência é aquecida até virar vapor. A densa nuvem é composta por substâncias variadas, sendo algumas mais perigosas do que outras.  As mais populares são uma junção de glicerina vegetal, propilenoglicol, saborizante e nicotina.
Em comunicados oficiais, tanto o Inca (Instituto Nacional do Câncer) como a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia afirmaram que os juices, ainda que usados sem a nicotina, não liberam apenas vapor, mas também material particulado cancerígeno e irritante, que pode prejudicar a saúde respiratória.

“Agora o discurso é que não há uma queima e sim um aquecimento do fumo. É mais interessante se vender assim. Mas o que acontece na prática é que os açúcares presentes nessas essências, quando aquecidas a mais de 350°C, se desdobram em outras substâncias irritantes e cancerígenas”, explica o pneumologista.

“Quando usados com nicotina, o dano é ainda maior. Aquecido a essa temperatura temos como resultado elementos de potencial cancerígeno altíssimo”.
Em publicação oficial sobre o tema, o Inca também informou que tanto a glicerina quanto o propilenoglicol apresentam riscos quando aquecidos. “Os solventes demonstraram decompor-se a altas temperaturas gerando compostos como o formaldeído, o acetaldeído, a acroleína e a acetona, classificadas como citotóxicas, carcinogênicas, irritantes, causadoras do enfisema pulmonar e de dermatite”, traz o informativo.

Água não atua como filtro

Coloridas, as essências possuem variados sabores que vão desde frutas, até caramelo, sorvete e torta. Foto: Bigstock
Coloridas, as essências possuem variados sabores que vão desde frutas, até caramelo, sorvete e torta. Foto: Bigstock
Não há números oficiais no Brasil sobre o uso do vape por adolescentes. Nos Estados Unidos, no entanto, de onde a prática vem sendo importada, entre 15% e 25% dos estudantes do ensino médio já usaram o dispositivo, enquanto 10% a 15% dos adultos fazem o mesmo.
Já sobre o narguilé existem dados concretos do Brasil, ainda que desatualizados. No ano passado o Ministério da Saúde publicou os resultados de uma pesquisa feita em 2015, mostrando que 9% dos estudantes do ensino fundamental usavam o cachimbo de água.

“A maioria usa com nicotina, pois se fosse só inalar água, não teria graça. Mas muitos acreditam que a água presente nesses aparelhos de alguma forma filtra as substâncias nocivas, o que é um absurdo”, complementa Reichert.  “Se você imaginar que nosso corpo só é totalmente formado aos 25 anos de idade, calcule quanta agressividade um adolescente está causando a si mesmo usando esses produtos. Isso terá consequências lá na frente, sem dúvidas”, finaliza.

Desde 2009, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proíbe a comercialização, importação e propaganda dos dispositivos, acessórios e refis destinados aos cigarros eletrônicos. Por meio de nota ao Viver Bem, a instituição disse que tem trabalhado com órgãos policiais e Receita Federal para identificar os produtos considerados ilegais.
“Destacamos que a Anvisa possui equipe de fiscalização que monitora a internet regularmente para averiguar desvios”, informa o órgão. “Quando é possível identificar estabelecimentos físicos, solicitamos que a vigilância sanitária local realize ação de fiscalização no ponto de venda”, finaliza. Entre 2017 e 2019 a agência retirou do ar 727 anúncios relativos a dispositivos eletrônicos para fumar.
Quanto ao narguilé, não há proibição da comercialização do produto em território nacional. No entanto o Ministério da Saúde adverte, baseado em um parecer da Organização Mundial da Saúde, que uma sessão de narguilé de 20 a 80 minutos corresponde à exposição de componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 cigarros e por isso não recomenda seu uso.

Indústria briga por modernização de lei

Quando o assunto é cigarro eletrônico o único consenso entre as organizações internacionais é relacionado à redução de danos. O cigarro eletrônico é 95% menos tóxico do que o cigarro convencional e algumas entidades já emitiram pareceres favoráveis ao dispositivo, concordando que ele pode ajudar quem já é fumante a diminuir os prejuízos causados pela combinação de alcatrão e tabaco.
Países como Alemanha, França e Reino Unido permitem a venda desses aparelhos baseados nessa política de redução de danos. Outros como Dinamarca, Finlândia, Itália e EUA permitem a venda com restrições. Já Argentina e México o proíbem.
Em nota, a Philip Morris, uma das maiores produtoras internacionais de itens relacionados ao tabaco, criticou a demora em discutir e modernizar a regulamentação dos cigarros eletrônicos, alegando que os dispositivos são uma alternativa com menos riscos à saúde para os que não conseguem parar de fumar. O aviso veio na ocasião do Dia Mundial do Combate ao Tabagismo, celebrado nesta sexta-feira, 31.

“A regulamentação no Brasil sobre o tema já tem mais de dez anos e impede que essas novas tecnologias sejam sequer avaliadas de maneira clara e objetiva, mesmo já sendo esses produtos atualmente comercializados ilegalmente e utilizados no Brasil sem qualquer controle e informações claras sobre os riscos”, declara o Diretor de Assuntos Externos da Philip Morris Brasil, Fernando Vieira.

A empresa defendeu o modelo norte-americano, no qual agência reguladora de medicamentos e alimentos daquele país, a FDA, liberou recentemente a comercialização de aquecedores de tabaco, contanto que haja atividades para assegurar que não-fumantes e jovens não sejam expostos a esses produtos.
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