Comportamento

Camille Bropp Cardoso

Briga entre Nicki Minaj e Taylor Swift expõe polêmica da música

Camille Bropp Cardoso
23/07/2015 07:15
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Minaj se disse “cansada” da falta de reconhecimento para cantoras negras. (Foto: Bigstock)
A divulgação das indicações para o Video Music Awards (VMAs), premiação tradicional da MTV americana, rendeu uma bela discussão na internet nesta terça-feira (21). A reação de uma das indicadas, a rapper Nicki Minaj, 32 anos, levantou nada menos do que dois debates polêmicos na indústria da música — a chamada apropriação cultural (ou o que o senso comum diz sobre esse termo) e o racismo desse mercado.
Tudo começou quando Minaj manifestou sua insatisfação com o fato de o videoclipe da música Anaconda não ter sido indicado para a categoria “melhor vídeo”, a principal do VMAs.
I’m not always confident. Just tired. Black women influence pop culture so much but are rarely rewarded for it. https://t.co/2xOvJzBXJX
— NICKI MINAJ (@NICKIMINAJ) 21 julho 2015
“Nem sempre me sinto confiante. Apenas cansada. Mulheres negras influenciam tanto a cultura pop, mas raramente são reconhecidas por isso”, escreveu a cantora no Twitter.
Na categoria, estão concorrendo Beyoncé, com 7/11; Ed Sheeran, com Thinking Out Loud; Kendrick Lamar, com Alright; Mark Ronson e Bruno Mars, com Uptown Funk; e Taylor Swift com Kendrick Lamar, por Bad Blood — essa última, a campeã de indicações. Já Anaconda está entre os indicados para “melhor vídeo feminino” e “melhor vídeo de hip hop”.  
Tema complexo
Para os fãs de Minaj, esse é outro capítulo de um assunto sensível no mundo do rap ou de estilos musicais de origem negra — o fato de artistas brancos conseguirem mais vendagem e reconhecimento do que os negros. Essa teoria foi endossada por outra rapper, Azealia Banks, 24, também na terça.
All my videos deserve VMas and my album deserves a Grammy but I’ll never get one because America doesn’t like opinionated black women. — AZEALIA BANKS (@AZEALIABANKS) 21 julho 2015
“Todos os meus vídeos merecem VMAs e o meu álbum merece um Grammy, mas nunca vou recebê-los porque os Estados Unidos não gostam de mulheres negras que se impõem”, escreveu. Tanto Minaj quanto Azealia já alfinetaram cantoras brancas que usam trechos de rap em seus vídeos ou adotam coreografias e roupas ligadas à cultura negra.
“Quando você ouvir Nicki Minaj cuspir, foi Nicki Minaj quem escreveu”, discursou a rapper ao receber um prêmio no BET Awards de 2014. Há quem diga que ela estava se referindo a Iggy Azalea, rapper australiana considerada por muitos uma relevação mesmo sem escrever suas músicas — mas Minaj negou isso depois. 
Taylor tentou desviar o foco do assunto; e Azealia apoiou Minaj. (Fotos: Bigstock e Reprodução/Instagram)
Taylor tentou desviar o foco do assunto; e Azealia apoiou Minaj. (Fotos: Bigstock e Reprodução/Instagram)
São alvos de críticas também Miley Cyrus, (aos 22 anos, a mais nova rainha do twerk, ritmo de origem africana banido nos EUA durante a escravidão) e a própria Taylor Swift, 25, que faz pop-country, mas colabora frequentemente com rappers (oi, Kendrick Lamar) e já adotou a estética do hip hop em vídeos. 
Taylor inclusive respondeu a Minaj também pelo Twitter na terça, dando a entender que a rapper adotou discurso sexista ao se contrapor a mulheres brancas. Também convidou Minaj a subir no palco para receber prêmios com ela. Criticada pela mudança de foco, a cantora acabou apagando o que escreveu.
Antes, Minaj (abaixo) respondeu que o assunto não era Taylor: “oi? Você não deve andar lendo meus tuítes. Não disse uma palavra sobre você. Gosto de você tanto quanto gosta de mim. Mas você deveria falar sobre o assunto [que levantei]”.
Huh? U must not be reading my tweets. Didn’t say a word about u. I love u just as much. But u should speak on this. @taylorswift13 — NICKI MINAJ (@NICKIMINAJ) 21 julho 2015
Sociedade
Nos EUA, o tema é recorrente na mídia e nas redes sociais. Nesses espaços, costumam ser apontados os efeitos prejudiciais da chamada apropriação cultural — fenômeno em que classes menos privilegiadas têm aspectos culturais redefinidos e adotados por elites, às vezes com fins comerciais.
O debate incansável existe no país desde pelo menos os anos 1950, quando Elvis Presley começou a ganhar mais dinheiro com o rock do que Chuck Berry jamais ganhou. E é o que leva muita gente a criticar quando brancos usam turbantes ou dreadlocks — símbolos de grupos étnicos que, na maioria das vezes, enfrentam obstáculos com que brancos não têm qualquer identificação.
No caso do rap, complica o fato de estilo ter nascido como música de protesto de uma minoria. Miley, por exemplo, foi criticada pelo editor sênior do site Vice, Wilbert Cooper. “Depois de ouvir as suas declarações sobre como pretendia dar ao álbum [We Can´t Stop?] um som negro, torna-se bastante óbvio que Miley tem uma visão deturpada do que é o afro-americano”, escreveu. “Não é preciso relembrar que no vídeo há bundas balançando e dentes de ouro”.
Dois lados
No Brasil, o tema também gera debate, ainda que outros estilos musicais estejam no centro dele, como o samba — quantas rainhas de bateria de escolas de samba são negras, por exemplo?
Já a historiadora Gizlene Neder, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), pondera que a apropriação cultural é parte do processo social, que pode ou não ter efeitos ruins. “Faz parte do processo histórico, cultural e social. A maior apropriação de aspectos da cultura afrodescendente no Brasil do tempo presente está ligado à democratização da sociedade brasileira, sem dúvida”, diz ela, que ressalta que o caminho é de mão dupla — negros também adotam cabelos lisos, por exemplo, caso da própria Minaj. Para ela, o fato de rappers negros receberem menos atenção da indústria musical está mais relacionado a racismo do que a esse processo cultural.
A professora concorda que a apropriação pode criar manifestos hipócritas — como o do racista enrustido que usa camiseta estampada com o rosto de Bob Marley — e diz entender que o tema ofenda às minorias. Mas, para ela, impedir esse processo pode ter consequências ainda mais graves ao instituir uma espécie de “censura cultural”.
“Sociedades como a brasileira, com muita miscigenação — tendo em vista o processo de colonização moderna que implicou muita imigração, seja compulsória como a africana ou não –, podem se orgulhar de sua riqueza cultura e das múltiplas e variadas apropriações culturais”, opina.