Comportamento

Childfree: debate sobre crianças expõe intolerância entre os adultos

Vivian Faria, especial para a Gazeta do Povo
29/08/2017 20:23
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Cresce no Brasil movimento de pessoas que não querem ser pais e criticam quem fez a escolha pela paternidade/maternidade (Foto: Bigstock)

Basta fazer uma busca por “área exclusiva para adultos” para descobrir que a restrição a crianças em determinados locais não é uma novidade e acontece até nos cruzeiros Disney. Contudo, quando um bar de São Paulo colocou uma placa em frente ao estabelecimento dizendo que cães eram bem-vindos, mas crianças deveriam ser amarradas ao poste, o clima entre os que consideraram a situação absurda e os que a apoiaram esquentou.
O debate acontece intensamente no Facebook e gira principalmente em torno do termo “childfree”, que, conforme a professora de psicologia da UFPR Lídia Weber, surgiu nos Estados Unidos na década de 1970 para designar aqueles que optavam por não ter filhos.
Mesmo que ainda haja os que defendam que o movimento é sobre essa escolha, como a moderadora de uns desses grupos Aymee Almeida, o termo também se refere a pessoas que não gostam ou querem estar próximos a crianças. “Assim como em todo movimento, tem pessoas extremistas”, admite Aymee.
Para a psicoterapeuta e professora da PUCPR Renate Michel, esse extremismo é comum como respostas a padrões duradouros. “Durante muito tempo, a mulher foi vista apenas ‘como útero’ e hoje não é mais assim. Quando temos um movimento desse, que é um movimento paradigmático, a reação geralmente é forte e pode ser mais agressiva e excludente”, explica.
O caso do bar pode ser visto dessa maneira e expõe, conforme especialistas, uma intolerância. “O ser humano é complicado, porque nós gostamos dos nossos iguais”, resume a professora de psicologia da UFPR Lídia Weber. Especialista na área de família, ela avalia que proibir a presença de crianças em determinados locais porque elas não se comportam como adultos não é correto.
“Na Idade Média as crianças eram vistas como um mini-adulto imperfeito e nem almoçavam com os pais, por exemplo. Hoje culpar as crianças é errado, porque elas são seres em desenvolvimento e são os adultos que são o modelo. Estamos aqui justamente para socializá-las”, diz.
Para a psicóloga, a intolerância também existe nos julgamentos das pessoas que não querem ter filhos. A psicoterapeuta e professora da PUCPR Renate Michel afirma: “Deveríamos ter uma sociedade que respeita as escolhas individuais, mas isso não existe em lugar nenhum. Temos que cuidar porque tendemos a radicalizar nossas posições”, diz.
Educação em questão
Mesmo defendendo que as crianças não devem ser proibidas de frequentar diferentes locais, Lídia acredita que é preciso considerar que nem sempre é adequado levá-las a todos os lugares. “Eu não acho adequado um casal viajar para a Europa com um filho de um ano e meio. Pensando na criança, ela não vai se divertir, não vai ser legal, vai ser estressante.”
Além disso, os pais precisam compreender que há crianças que não se comportam de maneira adequada em locais públicos e educá-las para terem o comportamento adequado depende deles.
“Cada local tem a sua norma de funcionamento, tem lugar onde pode fazer bagunça e onde não pode. Mas quantas pessoas adultas desrespeitam a lei do sossego dos condomínios, por exemplo, apenas porque elas querem ouvir música? Precisamos ver que tem muitos adultos que autorizam suas crianças a fazer qualquer coisa e não deveriam ter esse comportamento, porque ele invade o espaço alheio”, diz Renate.
Para ela, isso é resultado de uma desresponsabilização do processo educativo e da difusão da ideia de que a criança, justamente por ser criança, pode se comportar como quiser. Lídia pensa diferente: “As pesquisas sobre estilos parentais nas sociedades ocidentais mostram que a maioria dos pais não tem esse estilo permissivo, de poucas regras e muito afeto. Cerca de 35% deles é negligente, ou seja, não impõe regras, nem dá afeto, e são essas as crianças que vão ‘dar problema’”, explica a professora e pesquisadora na área.
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