Comportamento

Talita Boros Voitch

Jovem curitibano consegue verba para construir cozinha beneficente na África

Talita Boros Voitch
30/04/2017 19:00
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Na primeira ida à África, Juan ajudou a construir uma sala de aula na Lwaleng Primary School. (Foto: arquivo pessoal)

Assim como muitos meninos, o curitibano Juan Magalhães, de 19 anos, queria ser jogador de futebol. Treinou nos amadores Ferroviária e Imperial, do Mossunguê. Tentou passar na peneira dos clubes grandes da capital e de São Paulo. Morador do Xaxim, filho de uma empregada doméstica e um açougueiro, Juan dava duro no esporte, mas nunca deixou os estudos de lado. Tirava boas notas.
A mãe foi quem leu o anúncio do International School of Curitiba (ISC) que oferecia bolsas para alunos-atletas. “Ela quis me levar e eu não queria. Ela insistiu. Era longe da nossa casa. Demoramos quase três horas de ônibus para chegar lá. Eu ia fazer um teste na Ponte Preta (clube do interior de São Paulo). Naquele momento era isso que me interessava”, lembra.
Ainda adolescente (tinha 16), Juan não imaginava a virada que aconteceria a partir desse encontro. Ele foi selecionado e ganhou uma das bolsas, mas tinha uma condição. Teria que aprender inglês em 16 meses. Ninguém dos Magalhães falava inglês. Bem da verdade, entre a família próxima, apenas uma das tias havia chegado ao ensino superior. Tudo aquilo era muito distante para o filho do seu Reginaldo e da dona Joseli.
“Eu falei para a minha mãe ‘você tem certeza disso?’. E ela respondeu que futebol não era certeza, que tinha muito menino bom que se destacava, mas no fim não dava certo. E disse que tinha certeza que se eu continuasse os estudos teria um futuro de sucesso. E eu mergulhei de cabeça”, conta.
Do Xaxim à Califórnia
Juan era o primeiro a entrar na van que levava os alunos do Internacional para a escola e o último a descer. O motorista era da vizinhança do Xaxim. Nos primeiros sete meses não entendia nada nas aulas, mas diz que nunca pensou em desistir. No final do primeiro ano, recebeu a chance de jogar futebol em um torneio na Florida. “Fiquei três semanas e me apaixonei pelo país”, diz.
Já mais afiado no inglês, ele escreveu uma carta contando sua história para as 20 melhores high schools (escolas do ensino médio) dos Estados Unidos. A Cate School, na Califórnia, foi a primeira a responder. Estavam interessados no seu talento para o futebol, mas especialmente por conta das boas notas. O treinador do time da escola disse que já não era tão fácil encontrar atletas com notas altas.
Juan ganhou uma bolsa de US$ 120 mil dólares por dois anos de estudos e passagens aéreas para visitar os pais em Curitiba duas vezes por ano. Em agosto de 2015 embarcou para a Califórnia, mora na escola e descobriu uma nova vocação: serviço comunitário. “Não achava justo todas essas coisas incríveis terem acontecido comigo e não compartilhar nada com os outros”, diz.
Novas descobertas
Em julho do ano passado, o curitibano viajou para Costa Rica e para a África do Sul com US$ 16 mil em prêmios de instituições de caridade para ajudar as comunidades locais. Se apaixonou pela África e decidiu que queria fazer mais pelos 800 alunos da Lwaleng Primary School, escola comunitária que depende de doações para atender crianças de até 10 anos na região rural de White River, no nordeste do país.
“Para a maioria dos alunos, a refeição na escola é a única do dia. E a cozinha não é um local adequado. É basicamente um abrigo, com um telhado e uma mureta. Quando chove, molha tudo. Tem muita poeira e eles cozinham com um fogo no chão. É tudo muito difícil e mesmo assim as crianças estão sempre sorrindo. Isso me marcou muito”, conta.
Atual cozinha da Lwaleng Primary School, que atende 800 alunos. (Foto: arquivo pessoal)
Atual cozinha da Lwaleng Primary School, que atende 800 alunos. (Foto: arquivo pessoal)
De volta aos Estados Unidos, Juan desenvolveu um projeto para arrecadar fundos para construir uma nova e equipada cozinha para as crianças. Criou um site para divulgar o projeto e conseguir doações. Logo arrecadou os US$ 3 mil que precisava para a cozinha.
Em julho, ele embarca novamente para White River e, junto com outros seis colegas, vai construir com as próprias mãos a cozinha para os alunos da Lwaleng. Com o dinheiro, também vai poder pagar a mão de obra de dois pedreiros locais e comprar todos os eletrodomésticos necessários.
E agora, futuro?
No fim de agosto, Juan começa a universidade. Ganhou uma bolsa de US$ 200 mil para os quatro anos de curso no Bowdoin College, no Maine, um dos 20 melhores colleges dos Estados Unidos, segundo a Forbes.
Juan arrecadou US$ 3 mil que serão investidos na construção de uma nova cozinha para os 800 alunos da Lwaleng Primary School. (Foto: arquivo pessoal)
Juan arrecadou US$ 3 mil que serão investidos na construção de uma nova cozinha para os 800 alunos da Lwaleng Primary School. (Foto: arquivo pessoal)
Juan não quer mais ser jogador de futebol. No momento, está vivendo um dilema em relação ao futuro. Quer seguir carreira no serviço social/comunitário, área pouco promissora em relação a ganhos. Ao mesmo tempo, quer uma profissão que lhe dê condições de ajudar a família no Brasil. “Agora meu foco é encontrar esse equilíbrio”.

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