Comportamento

Katia Michelle

O jogador de basquete que adotou uma quadra pública em Curitiba

Katia Michelle
09/02/2017 09:00
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Felipe Melo, o Fifo, frequenta a praça desde criança e decidiu dar sequencia ao legado dos jogadores mais antigos: cuidar da praça como se fosse sua. Foto: Daniel Castellano | Gazeta do Povo

O sonho de ser um jogador de basquete profissional deu ao produtor de eventos Felipe Melo, de 36 anos, a motivação necessária para cuidar de uma quadra pública como se fosse sua. Ele conheceu a Praça Brigadeiro do Ar Mário Calmon Eppinghaus, no bairro Juvevê, aos 3 anos, quando se mudou de Londrina para Curitiba. Visitava o local com o pai várias vezes por semana e cresceu vendo os jogadores de basquete treinando na praça. Ele mesmo começou a jogar cedo no local e notou que, para que a quadra continuasse em boas condições teria que, literalmente, colocar às mãos na cesta.
“Os jogadores sempre tiveram que manter a quadra com recursos próprios. Colocar um aro melhor e mais firme na tabela e uma cesta com maior qualidade são alguns exemplos”, conta, lembrando que durante a infância e adolescência os jogadores locais sempre se organizaram para que isso acontecesse. Com mais frequência, inclusive, do que a própria Prefeitura de Curitiba, que responde pela manutenção da praça, conseguia atender a demanda. Com o tempo, os jogadores mais “velhos” foram sendo substituídos pela nova geração, que crescia no mesmo ritmo que os dribles da quadra.
A quadra é movimentada (e cuidada) pelos jogadores de basquete de plantão durante toda a semana. Foto: Daniel Castellano.
A quadra é movimentada (e cuidada) pelos jogadores de basquete de plantão durante toda a semana. Foto: Daniel Castellano.
Foi assim que, em 1991, Felipe e os amigos Flávio Santos, Rodrigo Dodge e Ivan Shiguemoto se transformaram numa espécie de “zeladores” da praça. Para deixar a quadra com aspecto mais profissional, eles passaram a seguir o exemplo dos frequentadores mais antigos e a organizar com a própria comunidade a manutenção da quadra. O último mutirão aconteceu em abril do ano passado. O transporte do material e a troca do equipamento – que precisa ser realizada com andaimes – foram realizadas por eles, sem recurso municipal.
Atualmente a quadra da Praça Eppinghaus é de responsabilidade da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. A secretaria informou que o contrato com a empresa que realiza a manutenção da praça encerrou em outubro do ano passado e agora aguarda nova licitação para fechar um novo contrato de prestação de serviços, ainda sem data para ocorrer.
No entanto, Felipe e os amigos relatam que há mais de duas décadas a praça conta com a ajuda dos jogadores para garantir boas condições para os treinos. “Desde a década de 1990 juntávamos os trocados para garantir a manutenção da praça”, conta Felipe que já chegou a pagar equipamentos com o próprio dinheiro e depois fazer o “racha”. As pessoas contribuem com o que podem, mas geralmente cada jogador dá cerca de R$ 20, R$ 30 por ano. Se sobra alguma coisa, guardamos para a próxima manutenção”, diz.
Os jogos acontecem no sábado e domingo pela manhã. Mas durante toda a semana é possível encontrar "atletas" por lá. Foto> Daniel Castellano.
Os jogos acontecem no sábado e domingo pela manhã. Mas durante toda a semana é possível encontrar "atletas" por lá. Foto> Daniel Castellano.
Depois que o Viver Bem publicou matéria sobre a prática de basquete no fim de semana, na praça, os jogadores veteranos se manifestaram nas redes sociais para contar que a quadra se mantém ativa graças ao esforço dos próprios frequentadores e não da Prefeitura, que teria responsabilidade sobre o local. “As luzes estavam desligadas e não conseguíamos mais jogar a noite. Fizemos várias reclamações no 156”, conta Felipe.
No dia seguinte à publicação da matéria, a prefeitura enviou uma equipe técnica ao local, solucionando o problema. As luzes, que estavam há semanas apagadas, voltaram. “Era um problema técnico”, informou a prefeitura. Felipe reforça, porém, que essa não é a primeira vez que a praça sofre com a falta de iluminação ou problemas semelhantes. De acordo com o produtor, por muitas vezes ao longo dos últimos 20 anos a praça vem sofrendo com o abandono público, mas os amigos lutam para garantir que os jogos continuem acontecendo.
“A Prefeitura de Curitiba entende que a participação da comunidade é benéfica e pode até mesmo ser incentivada. Um exemplo disso é a lei para adoção de espaços públicos. Porém, não se pode simplesmente transferir a responsabilidade pela manutenção destes espaços aos usuários”, informou, em nota, a prefeitura. Não há previsão, no entanto, de quando o novo contrato de manutenção será fechado. Enquanto isso, os jogadores assumem a tarefa.
Felipe (com a bola na mão) e os amigos: todos colaboram para manutenção. Foto: Daniel Castellano.
Felipe (com a bola na mão) e os amigos: todos colaboram para manutenção. Foto: Daniel Castellano.
Aos sábados e domingos pela manhã, os arremessos estão garantidos, mas durante a semana também é possível encontrar jogadores por lá.  São “atletas” de 13 a 60 anos que periodicamente se encontraram para treinar. Joga quem quer e pode. A ordem é por chegada e assim que as duplas ou times vão se formando, é possível jogar 15 minutos ou 20 pontos (o que chegar primeiro). Depois é preciso dar a vez na quadra, para que todos possam participar. Essa democracia vem sendo praticada ao longo dos anos pelos jogadores e é uma espécie de regra local. Não adianta tentar quebrar.
Pois os defensores da praça são fervorosos e fazem tudo pelo amor ao jogo. Foi a paixão, aliás, que levou Felipe a se tornar uma espécie de ativista do basquete local. Ele queria ser jogador profissional e chegou a ir para São Paulo para fazer testes em alguns times, mas como era muito “baixinho” (o produtor tem 1m80) acabou não tendo um desempenho muito bom nas quadras profissionais. Na quadra pública, porém, é praticamente o capitão do time.