Comportamento

Carlos Coelho

Sono, criatividade, cura: o que a terapia da pirâmide desperta nas pessoas

Carlos Coelho
12/05/2018 07:00
Thumbnail

As pirâmides estão entre os símbolos mais místicos da humanidade.Foto: Bigstock

Todo de branco, quase como um terapeuta, Julio Cesar Bassan me conduz por entre um corredor da casa discreta no Alto da XV, em Curitiba. Entre algumas portas entreabertas escapam uma série de pirâmides com poltronas em sua base. Há um certo ar de calmaria na fala do voluntário, um convite à meditação. E um curioso contraste com o turbilhão que é a região em que estamos.
Ao fundo, uma sala revela quatro outras pirâmides de ferro vazadas, com perto de dois metros de altura. Ao lado de suas poltronas, lenços de papel e folhas de sulfite. Sou levado a uma delas. “Peço apenas que você desligue o celular ou coloque em modo avião”, ele instrui. “Preciso tirar o sapato?”, questiono. “Fique como você se sente à vontade”, ele diz. A partir dali, são 30 minutos em contato consigo mesmo – o que pode ser bom ou ruim. É como define John Berger, romancista inglês: “nada é mais órfão do que ter a si mesmo”.
É daqueles lugares que se piscar, passa batido. O número 472 da Rua Reinaldino de Quadros, apenas algumas quadras para baixo da Praça do Expedicionário, parece só uma daquelas casas que resistem à especulação imobiliária no Alto da XV. Na frente, uma placa indica o funcionamento de algum tipo de agrupamento: União Fraterna Universal.

Local único

Nada que dê pistas, mas ali dentro estão 14 pirâmides de ferro, em um dos espaços mais inusitados na cidade – um cenário quase à la David Lynch.

“Nós não somos uma religião. Somos uma proposta para que você encontre seu eu interior através de uma meditação sem ação”, explica Bassan. “Só que a proposta é tão simples que, de tão simples, às vezes complica. Nós não oferecemos técnica e nem nada. Simplesmente você senta embaixo da pirâmide e deixa fluir sua mente. Você não exerce controle”, diz.

É o que chama de “terapia da pirâmide”.

Novidade?

As pirâmides estão entre os símbolos mais místicos da humanidade. Talvez por isso os tratamentos terapêuticos com elas não sejam algo exatamente novo. É, para o bem da verdade, algo milenar, mas sem nunca ter conseguido um embasamento científico. A falta em empirismo não é uma preocupação para a União e nem o que impede os cerca de 70 frequentadores diários de adentrarem a casa branca em busca de seus 30 minutos de relaxamento.

Chegar e meditar

Terapia é simples: sentar embaixo da pirâmide e meditar. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.
Terapia é simples: sentar embaixo da pirâmide e meditar. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.
Por ali, o funcionamento é mesmo bem direto. Quem chega à UFU precisa apenas deixar seu primeiro nome na recepção, diz rapidamente o que está procurando – se quiser – e é encaminhado para uma das pirâmides da casa. Por lá, passa seu tempo de terapia sem música, livro ou celular. O único entretenimento é a própria mente.
Antes, precisa beber um copo de água. E depois outro. “É que a pirâmide desidrata”, garante Bassan. “A água é um condutor de energia. E o nosso corpo é 70% de água”, justifica.

Sono, escrita e desenho

Uma vez embaixo de uma das pirâmides de ferro, as reações são variadas. “Tem pessoas que têm sono, tem pessoas que escrevem, às vezes em outros idiomas, tem pessoas que traduzem”, diz Bassan. Eraldo Muller, que ocupa o posto de guardião do local, lembra-se do homem que canta com um vozerão inconfundível. Há também aqueles que desenham.

“Teve muita gente que teve cura. E curas bem ousadas. Mas, para nós, isso é a resposta da harmonia dessa pessoa. Não somos nós que exercemos essa cura. Somos apenas recepcionistas”, diz Bassan.

Pessoas de todas as idades sentam nas confortáveis poltronas abaixo das estruturas de ferro. Dois dias antes da entrevista, enquanto observava a movimentação no local, via-se uma maioria de pessoas mais velhas. “Hoje as pessoas mais jovens estão começando a vir em busca de espiritualidade, de se encontrar. Isso é um avanço”, comemora Bassan.
É fácil conhecer os marinheiros de primeira viagem apenas pelas expressões faciais. Faz sentido o espanto, a casa, por fora, não parece tão inusitada quanto a descrição de seu interior. E como não há divulgação massiva, cair ali é quase coisa de destino. “Quando o aluno está pronto, o mestre aparece. As pessoas que têm uma sensibilidade maior vêm”, diz Bassan. “Muitas vêm por curiosidade. É uma relação de sentir: sentir o quanto você é atraído”, completa Muller.
Para os condutores da casa, o espaço é de todos. “Vem [frequentadores da ordem] Rosa Cruz, messiânicos, mahikaris, católicos. Por isso o nome é união fraterna universal. Dentro do que você acredita, vai encontrar seu caminho”, fala Bassan. Apesar dessa pluralidade, a casa não se espalhou. Há apenas outro endereço da UFU no Brasil, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. “Tem um rapaz que tentou copiar nossa proposta em Portugal. Mas ele cobra, e isso é algo do qual somos contra. Para nós, é sagrado atender de graça”, declara o voluntário.

Esquema colaborativo

Para manter a sede, o grupo de voluntários divide as despesas, com eventuais doações de fora. Por isso, a UFU passou por diversos endereços, sempre procurando os aluguéis mais baratos. Bassan está na casa há 25 anos. É um dos 52 trabalhadores que se dividem para manter o projeto em pé. Cada um deles fica entre 3 e 4 horas na casa para receber a legião de frequentadores.
Apesar de toda a dedicação, ninguém sabe de fato por que a pirâmide é usada. É como uma tradição não questionada. “O fundador [Walter Corrêa da Silva] era Rosa Cruz. Ele se inspirou na representação da pirâmide e começou a colocar as pessoas embaixo para ajudá-las. Muitas destas pessoas tinham capacidade sensitiva e diziam a ele o que precisava ser feito. Um deles disse que ele precisava abrir uma sociedade beneficente”, explica Muller. Era 1979. Quase 40 anos depois, mais de um milhão de pessoas passaram pela terapia, pelos cálculos oficiais do grupo.
Claro, todos que vão ali parecem em busca de alguma coisa. “Gosto de visitar as pirâmides quando começa a semana, para ter energia de seguir em frente”, disse uma das frequentadoras, assídua a alguns meses.
“Um vendedor de consórcio fez a terapia e conseguiu sair vendendo. Tem duas donas de uma loja de doces aqui perto que não conseguiam vender. Então elas vieram e começaram a se harmonizar. Não são só questões físicas, mas de se encontrar, descobrir qual é o próprio caminho”, define Bassan.

“Mas além de tudo isso, um benefício da casa é muito claro. Todo mundo sai desacelerado, com um fisionomia melhor, sem tanta pressa. Seja qual for o problema da pessoa, é que ela está desarmonizada. As pessoas chegam transtornadas e saem equilibradas”, diz Cleverson Garrett, outro voluntário da UFU.

Sem uma espiada constante no celular, o tempo perde toda a referência. Quando o guardião da casa, Eraldo, bateu na porta para indicar o fim da terapia, o tempo parece ter passado muito mais rápido do que eu esperava. Talvez por ter me despertado de um estado nada metafísico: um leve cochilo em um dia corrido. Não soou desrespeitoso, me assegurou Eraldo. Afinal, por ali, a única regra é o não-julgamento.
LEIA TAMBÉM