Comportamento

Daniela Neves - danielan@gazetadopovo.com.br

Verdade sobre a mentira

Daniela Neves - danielan@gazetadopovo.com.br
29/03/2009 03:12
Amentira é um acordo social. É o formalismo e a educação que evitam aquela verdade nua e crua, que pode magoar e ofender. Já pensou se no primeiro “está tudo bem?” você resolvesse abrir o coração e fazer uma lista das angústias e problemas que enfrenta? Ou se, em apenas um dia, resolvesse dizer a verdade o tempo todo. Provavelmente iria brigar com dezenas de pessoas e ainda passaria por encrenqueiro e grosseiro. Você se lembra da comédia O Mentiroso? A mentira inofensiva do dia-a-dia, usada como artifício para fugir de uma situação constrangedora ou evitar uma briga, pode até contar pontos negativos na hora de “ir para o céu”. Mas, de acordo com especialistas, de certa forma é saudável porque impede episódios desnecessários de estresse. Segundo o psicólogo americano Gerald Jellison, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), cada pessoa mente ao menos 200 vezes ao dia.
Mas se por um lado a mentira tem um papel eficaz para a vida em sociedade, em outros ela é como uma droga, uma compulsão incontrolável que transforma a vida do mentiroso e de todos a sua volta em um caos.
O mecanismo da mentira começa a se desenvolver ainda na infância. Faz parte do desenvolvimento mentir para os pais. “Perto dos 4 anos, quando a criança começa a ter noção do seu mundo, costuma contar mentiras, principalmente para a mãe, para formar sua individualidade. É como se ela conseguisse ter um controle, ter coisas só dela, que a mãe não sabe e não viu”, diz a psicóloga Ana Lúcia Tuma. Nessa fase, a única preocupação necessária é quando a mentira é contada de forma constante, como uma autodefesa. “Em famílias muito severas, a angústia da criança em se livrar da culpa faz com que ela minta para se defender. Em ambiente familiar de tensão, a mentira é a criação de uma outra realidade que ela deseja”, diz.
A gravidade da mentira vai depender do contexto em que acontece, com que frequência e a repercussão para a vida dela e das outras pessoas. “Todos nós mentimos. Se encontramos uma pessoa que está doente e visualmente abatida, não podemos dizer como ela está. Vamos evitar o constrangimento e apoiá-la, amenizamos e dizemos que ela parece estar melhor”, diz o psiquiatra Marco Bessa, presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria.
A mentira passa a ser preocupante quando é frequente e incontrolável. É muito comum ouvir fantasias de pessoas de baixa autoestima. A grosso modo, quem não se aceita como é cria uma realidade paralela, desejada. “O problema é que para sustentar a primeira mentira é preciso inventar outra e com isso a pessoa vira refém dessa prática”, diz o psiquiatra.
A bola de neve pode criar uma situação insuportável. Existem, de acordo com Bessa, dois níveis de doença ligados à mentira. Um é considerado transtorno de personalidade narcisista, aquele em que a pessoa tem necessidade de mentir para se valorizar. É um ato em que não há a intenção de tirar proveito do outro, mas a necessidade de se sentir importante. “Ele sabe que mente, mas não consegue se controlar”, afirma Bessa.
A outra situação, mais grave, é considerada um transtorno de personalidade antisocial. É quando a história é contada para enganar ou tirar proveito do outro, principalmente vantagens materiais. É o típico estelionatário ou aquele que quer alguma vantagem pessoal ou sexual e, para isso, organiza muito bem suas mentiras. “É um transtorno psiquiátrico, mas que não exime a pessoa da responsabilidade criminal”, diz.
Delírios
Uma pessoa que está em fase psicótica pode ter alteração da percepção da realidade. Delira, assim como no efeito de consumo de drogas. De acordo com Bessa, o delírio não é algo que acontece de uma hora para outra. “Todo mundo passa por situação de estresse e nem por isso delira. Se você vai investigar, descobre que o mentiroso patológico já apresentava indícios de alterações psiquiátricas. O que acontece é que, assim como em casos de alcoolismos, as pessoas mais próximas vão tolerando, relevando, até chegar a uma situação mais grave.”
Serviço
Marco Antonio Bessa (presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria), site http://www.psiquiatria-pr.org.br. Ana Lúcia Tuma (psicóloga), Clínica Contato, fone (41) 3234-1616.