Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Ultraintervenção

Amanda Milléo
15/04/2016 22:00
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Na intenção de buscar o melhor diagnóstico, ainda é comum que médicos exagerem na prescrição de exames e remédios que, embora sem essa intenção, mais prejudicam do que ajudam a saúde do paciente. Essa atitude é comum a todas as especialidades, inclusive na dermatologia, o que gerou uma revisão nas diretrizes médicas, encabeçada pela Fundação norte-americana não governamental ABIM. Os 10 novos mandamentos da dermatologia, também chamados de Choosing Wisely, ou escolhendo sabiamente, são uma lista de procedimentos cuja necessidade é questionável e que poderiam ser riscados da rotina médica – inclusive no Brasil. O Viver Bem rebateu as novidades com dermatologistas brasileiros e descobriu que a realidade local não é tão diferente da de outros países. Confira!
Câncer de pele
Não é preciso fazer um exame diagnóstico ou de avaliação do melanoma precoce e pequeno, visto que ele não aumenta a taxa de sobrevivência do paciente. Câncer de pele mais conhecido e mais comum, o melanoma tem uma taxa de sobrevivência de 97% para cinco anos. Além disso, o risco de o câncer se espalhar para outras partes do corpo é muito baixo, sendo desnecessários os exames.
Não é preciso tratar câncer de pele, que não seja melanoma e tenha menos de um centímetro em tamanho, com a técnica Cirurgia Micrográfica de Mohs. Embora seja uma cirurgia comum no tratamento do câncer de pele, os riscos desse procedimento cirúrgico especializado pode se sobrepor aos benefícios. Discuta sempre com seu médico sobre a melhor opção.
Feridas na pele
Não use, de forma frequente, antibióticos tópicos em uma ferida cirúrgica. Não há evidências de que o uso dos antibióticos reduza a taxa de infecção comparada a uma pomada que não seja antibiótica ou mesmo nenhuma pomada. A recomendação, no entanto, não se aplica às feridas feitas fora do ambiente cirúrgico, como joelhos ralados ou acidentes em casa, que resultaram em um corte ou escoriação.
Dermatites e eczemas
Não use antibióticos para o tratamento de dermatites atópicas, a menos que exista uma evidência clínica de infecção. Os antibióticos não reduzem os sinais, sintomas ou a severidade da doença, principalmente se não há uma infecção por bactérias. No entanto, como a dermatite causa muita coceira, é comum que exista a infecção em alguns casos, o que torna os antibióticos necessários para a descolonização da pele, termo usado quando é preciso “limpar” a pele das possíveis bactérias. O uso do antibiótico, porém, não ultrapassa 10 dias.
Não use corticosteroides, sejam eles orais ou injetáveis, como um tratamento de longo-prazo para a dermatite. As complicações que podem vir do uso de longo prazo dos corticosteróides, oral ou injetável, se sobrepõem aos possíveis benefícios para a doença.
Não peça exames cutâneos ou de sangue, como o teste radioallergosorbent (RAST), para a avaliação de rotina do eczema. Quando o teste para alergias é realmente necessário em pacientes com dermatite ou eczema, é melhor um emplastro que contenha as substâncias dos produtos que entram em contato com a pele da pessoa.
Acne
Não use, de forma frequente, testes microbiológicos na avaliação e controle da acne. O teste microbiológico é usado para a identificação do tipo de bactéria presente na lesão da acne, e é geralmente desnecessário porque não afeta no cuidado da acne típica dos pacientes. Este tipo de exame não é realizado no Brasil, por ser oneroso e com resultados demorados, sendo que o tratamento da acne é bem padronizado para cada tipo.
Fungos
Não use terapias antifúngicas orais no caso de suspeita de fungos nas unhas, sem a confirmação de uma infecção por fungos. De acordo com dados da Fundação ABIM, aproximadamente metade de todos os pacientes com suspeita de fungos nas unhas não tem uma infecção por fungos, tornando o uso do antifúngico oral desnecessário. No Brasil, existe a cultura de primeiro realizar o exame que comprove o diagnóstico, para só então decidir pelo tratamento, embora em outros casos seja possível o diagnóstico com base apenas no quadro clínico do paciente.
Antibióticos
Não use antibióticos de forma frequente para tratar cistos na epiderme inflamados. É importante sempre confirmar a infecção antes de tratar com antibióticos.
Não use rotineiramente os antibióticos no tratamento de inchaço bilateral e vermelhidão da canela e panturrilha a menos que haja uma clara evidência de infecção. Pesquisadores sugerem que a celulite na parte baixo da perna é muito rara. Se a pessoa tiver inchaço e vermelhidão nas duas pernas, é mais provável que tenha outra condição, como uma dermatite, veias com varicose ou alergia.
Fontes: Bhertha Tamura, mestre e doutora em Dermatologia pela USP, coordenadora de dermatologia dos AME Barradas, Bourroul e Sorocaba, Marcio Rutowitsch, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia e chefe do serviço de dermatologia do Hospital do Servidor do Estado de São Paulo.
“Esses itens são colocados abertamente para reforçar e para educar os que ainda não seguem a boa prática, evitando tratamentos desnecessários e visando diminuir a resistência dos microorganismos aos medicamentos” – Bhertha Tamura, mestre e doutora em Dermatologia pela USP, coordenadora de dermatologia dos AME Barradas, Bourroul e Sorocaba.
Prevenção quaternária – Quando há um excesso de ação médica, seja através de exames ou medicamentos, há a necessidade de uma proteção quaternária, para que essas intervenções não prejudiquem ainda mais a saúde do paciente. As formas mais eficazes de se prevenir desses exageros é conversar abertamente com o médico, e esperar dele uma atenção maior, bem como a aplicação do método científico em todas as práticas médicas, atendendo aos procedimentos definidos em consenso por especialistas do mundo todo.